domingo, 24 de abril de 2011

Poesias de Guilherme de Almeida

Esta vida


Um sábio me dizia: esta existência,
não vale a angústia de viver. A ciência,
se fôssemos eternos, num transporte
de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece
no infinito do tempo. E vibra e cresce
e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.


Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um monge me dizia: ó mocidade,
és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; 
esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto;
o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida,
quadro círios acesos : eis a vida


Isto me disse o monge e eu continuei a ver
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Um pobre me dizia: para o pobre
a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia
mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa
de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.


Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver,
dentro da própria morte, o encanto de morrer.


Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira
que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!


Pela primeira vez eu comecei a ver,
dentro da própria vida, o encanto de viver.



Cinema


Na grande sala escura,
só teus olhos existem para os meus:
olhos cor de romance e de aventura,
longos como um adeus.

 
Só teus olhos: nenhuma
atitude, nenhum traço, nenhum
gesto persiste sob o vácuo de uma
grande sombra comum.

 
E os teus olhos de opala,
exagerados na penumbra, são
para os meus olhos soltos pela sala,
uma dupla obsessão.

 
Um cordão de silhuetas
escapa desses olhos que, afinal,
são dois carvões pondo figuras pretas
sobre um muro de cal.

 
E uma gente esquisita,
em torno deles, como de dois sóis,
é um sistema de estrelas que gravita:
— são bandidos e heróis;

 
são lágrimas e risos;
são mulheres, com lábios de bombons;
bobos gordos, alegres como guizos;
homens maus e homens bons...

 
É a vida, a grande vida
que um deus artificial gera e conduz
num mundo branco e preto, e que trepida
nos seus dedos de luz...


2 comentários:

  1. Guilherme de Almeida nasceu em 24 de julho de 1890 em Campinas/SP.E faleceu, na cidade de São Paulo, no dia 11 de julho de 1969.

    O motivo de tantos elogios vindos de Manuel Bandeira não é em vão. Isso porque Guilherme de Almeida é um sonetista exímio que possui um estilo bem pessoal, pois trata o verso com extrema habilidade e, ao mesmo tempo, dá liberdade às imagens. Quando Manuel Bandeira diz que Guilherme de Almeida tem "mais fundamento ainda do que Bilac", ele refere-se a formação do poeta, pois ele sabia latim, grego e era um profundo conhecedor da cultura renascentista.

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  2. Você encontra mais detalhes sobre este autor em:

    http://www.vidaempoesia.com.br/linguagemguilhermedealmeida.htm

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