domingo, 24 de abril de 2011

Poemas de Cassiano Ricardo


Ditirambo da Paz

quero paz
não
de pás
de cal
nem de pas-
maceira

quero paz
de pás
ao ombro
paz viva
paz
que mantém
o homem
em pé
na pers-
pectiva
do advir.

paz
de sempre
viva
muito viva
que cada um
de nós
cultiva
no peito
homem da
rua
ou na faina
do eito
lutando por
uma
madrugada
definitiva

Meus Oito Anos

No tempo de pequenino
eu tinha medo da cuca
velhinha de óculos pretos
que morava atrás da porta...
Um gato a dizer currumiau
de noite na casa escura...
De manhã, por travessura,
pica-pau, pica-pau.

Quando eu era pequenino
fazia bolotas de barro
que punha ao sol pra secar.
Cada bolota daquela,
dura, redonda, amarela,
jogada com o meu certeiro
bodoque de guatambu
matava canário, rolinha,
matava inambu.

Quando eu era pequenino
vivia armando arapuca
pra caçar "vira" e urutau.
Mas de noite vinha a cuca
com o seu gato currumiau...
Como este menino é mau!

Rolinha caiu no laço...
Ia contar, não conto não.
Como batia o coração
daquele verde sanhaço
na palma da minha mão!

Ah! se eu pudesse, algum dia,
caçar a vida num poema,
em seu minuto de dor
ou de alegria suprema,
que bom que pra mim seria
ter a vida em minha mão
pererecando de susto
como um sanhaço qualquer
na grade de um alçapão!

Mas... de noite vinha a cuca
(e por sinal que a noite parecia uma arapuca
com grandes pássaros de estrelas)
vinha c
om o gato currumiau:
menino mau, menino mau,
meninomaumeninomau.

Na minha imaginação
ficou pra sempre o pica-pau.

Pica-pau batendo o bico
numa casca de pau.
Pica-pau, pau-pau.

Currumiau miando de noite...
Currumiau, miau-miau.


2 comentários:

  1. Cassiano Ricardo Leite, nasceu em São João dos Campos (SP), em 1895, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1974.

    Suas obras da maturidade , tais como "Arranha-céu de Vidro", "Jeremias Sem Chorar" e "João Torto e a Fábula" correspondem à fase em que o poeta justifica sua arte através de um constante aprimoramento estético-artesanal que o insere como o poeta brasileiro que mais renovou a forma de sua expressão artística. A preocupação com a sobrevivência da espécie humana ante a perspectiva de uma catástrofe nuclear, uma postura crítica em face de um mundo cada vez mais mecanizado, mais subordinado às máquinas em detrimento da inocência, da pureza, do lírico, do poético , são as temáticas predominantes dessa fase , sem dúvida, a principal da obra de Cassiano. E toda essa ebulição criativa desenvolvida num espírito altamente inquisitivo fez com que o poeta paulista possa ser apontado como aquele que mais encarnou o modernismo em sua longa trajetória literária. O fator, sem dúvida, que mais caracteriza suas produções reside, a meu ver, em sua contemporaneidade. Entre os grandes poetas brasileiros do século século XX , não conheço nenhum outro que tenha produzido uma obra tão contemporânea, tão inserida na temática de seu tempo como Cassiano Ricardo .
    Sua preocupação com a modernidade não se revela apenas nos temas ou na forma de seus poemas, sempre inovadores, como também no próprio vocabulário utilizado. Palavras ou expressões que , a princípio, possam ser consideradas apoéticas , tais como "chuva radioativa", "bomba de hidrogênio" "nylon" ‘lágrimas elétricas" , "laboratório de física anti-celeste" , "rádio-ouvinte" , mostravam-se corriqueiras na poética de Cassiano Ricardo, cumprido observar ainda que adquirem incrível conotação lírica .

    ResponderExcluir
  2. Você encontra mais informações sobre este autor em:

    http://www.letraselivros.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1041&Itemid=65

    ResponderExcluir